As armas e os barões assinalados,

Que da ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca d'antes navegados,

Passaram ainda além da Taprobana

 

(Camões, "Os Lusíadas", canto 1)

 

 

 

Acompanhe a viagem do veleiro Bedouin e seu capitão e único marinheiro Alexandre Soares por mares muitas vezes antes navegados.

 

Mas não por esta tripulação...



Como tudo começou

Cresci lendo livros de aventura. Quantas vezes me imaginei no lugar do Jim Hawkins da Ilha do Tesouro, de R. L. Stevenson, do Tom Sawyer de Mark Twain. Como o meu dia-a-dia não tinha nada a ver com o deles, a vida de aventuras era projetado no futuro. Um dia eu ia me expor a todos os perigos, derrotar os bandidos com astúcia e talento e terminar com a mocinha apaixonada por mim. O modelo masculino a que os meninos são expostos, nos filmes, livros e desenhos animados, é o do herói de aventuras. É frustrante que a vida real tenha, para a maioria de nós, muito pouco espaço para a aventura. Ok, acabei ficando com a mocinha, mas aonde estão os perigos?



Talvez o melhor exercício de entender a motivação e as hesitações por trás da decisão de largar o emprego para velejar pelo mundo tenha sido feito pela minha filha, em uma das várias redações que ela escreveu como parte do processo de candidatar-se a uma vaga nas universidades americanas (leia aqui). Amei o que ela escreveu.



O fato é que, aos quarenta e nove anos, eu não teria nenhuma razão para reclamar da vida. Minha mulher é maravilhosa: bonita, inteligente, companheira, profissional competente e bem-sucedida, excelente mãe. Minhas filhas são educadas, amorosas, espertas – tenho um tremendo orgulho do trabalho que eu fiz como pai delas. Tenho uma vida confortável, conheci boa parte do mundo, os problemas de saúde mais sérios foram gripes e alergias, tive experiências fantásticas (morar na Ásia, por exemplo). Por que então essa angústia que nunca ia embora, essa sensação de ansiedade constante, como se algo estivesse sempre faltando.



Sempre gostei do mar. Quando era adolescente, no Rio, gostava de pegar onda de peito. Mais tarde, ganhei um equipamento básico da Kátia e resolvi fazer um curso de mergulho. Mergulho há vinte anos e tive a sorte de conhecer lugares maravilhosos no Atlântico, Pacífico e Índico. Há uns doze anos, fiz o curso básico de vela. Velejei com pequenos barcos (lasers, hobby cats, daysailers), alugados por umas poucas horas na represa de Guarapiranga, em São Paulo, aonde moro, ou em resorts de praia, durante as férias. Em fevereiro de 2007, cinco anos atrás, portanto, fiz um curso de vela oceânica na Ilhabela. Desde então, corri algumas regatas em veleiro de oceano, assumindo diversas posições dentro do barco da escola (um trinta e dois pés, com tripulação de seis ou sete pessoas nas regatas). Essa era toda minha experiência de vela até o início de 2012.


Minha experiência de vela continuaria limitada por muito tempo se Kátia, minha mulher, não tivesse apoiado este projeto maluco de comprar um barco e passar uns anos velejando. Se possível, dar uma volta ao mundo. Se o dinheiro acabar antes, voltar para casa, trabalhar, juntar algum e retomar o projeto mais tarde.

 

E foi assim que tudo começou...